A evolução do julgamento virtual no STF

Alterações vêm em momento oportuno e o sistema passa a ser encarado com otimismo

Gabriela Dourado
Supremo Tribunal Federal adere à campanha Outubro Rosa / Crédito: Nelson Jr./SCO/STF

A Lei nº 11.419, de 2006, autorizou o uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais e para a prática de atos processuais em geral[1]. Em seguida, o Supremo Tribunal Federal (STF) instituiu, por meio da Emenda Regimental nº 21/2007[2], o julgamento em ambiente eletrônico (Plenário Virtual), para a análise quanto à existência, ou não, de repercussão geral da matéria veiculada em recurso extraordinário[3]. O meio eletrônico acabou por facilitar e acelerar a tomada dessas decisões, que orientam o destino dos processos que versam sobre o mesmo tema e, portanto, contribuem para o desafogo do Judiciário.

Utilizando-se da experiência acumulada no Plenário Virtual[4], em 2016, o Supremo Tribunal Federal editou emenda ao seu regimento interno[5] permitindo o julgamento em ambiente eletrônico de agravos internos, regimentais e embargos de declaração, a critério do relator[6][7]. A alteração conferiu maior agilidade à apreciação dessas classes processuais, pois, diferentemente do que ocorre no presencial, a inclusão na pauta do dia e o início do julgamento virtual prescindem de decisão da Presidência do Plenário ou das Turmas, bastando apenas a indicação do relator.

As sessões virtuais para julgamento desses feitos, realizadas semanalmente, duravam sete dias corridos[8]. Computava-se o voto do ministro que não se manifestasse nesse prazo como se estivesse acompanhando o relator. A ementa, o relatório e o voto apenas eram tornados públicos depois da conclusão do julgamento. A lista ou o processo objeto de pedido de vista deveria ser encaminhado para julgamento presencial. E o processo era retirado desse ambiente caso houvesse pedido de destaque ou vista por ministro ou, ainda, pela parte, quando requerido no prazo fixado, desde que deferido pelo relator, bem como nos casos em que coubesse defesa oral. À época, não havia o lançamento no andamento processual da inclusão do processo para julgamento em lista, o que exigia dos interessados a leitura semanal de todas as listas divulgadas no sítio eletrônico do STF, para saber se determinado processo seria ou não julgado.

Já em junho de 2019, o julgamento em ambiente eletrônico, ainda a critério do relator, foi estendido para, além de agravos internos, regimentais e embargos de declaração, as seguintes classes processuais: medidas cautelares em ações de controle concentrado; referendo de medidas cautelares e de tutelas provisórias; e demais classes processuais, como recursos extraordinários e agravos, inclusive com repercussão geral reconhecida, cuja matéria discutida tenha jurisprudência dominante do STF[9]. Adveio, ainda, resolução que instituiu alterações na sistemática anterior, especificamente quanto (i) à atribuição de numeração às listas; (ii) à geração de andamento processual com a informação sobre a inclusão dos processos; (iii) ao prazo das sessões virtuais, que passou a ser de cinco dias úteis; (iv) à fixação de prazo para se requerer a sustentação oral; e (v) à possibilidade de listas ou processos objeto de pedido de vista serem devolvidos, a critério do ministro vistor, para prosseguimento do julgamento em ambiente virtual, podendo ser modificados os votos já proferidos[10].

Até aquele momento, portanto, o julgamento em ambiente virtual no STF transcorria sem a devida transparência. O público externo apenas conseguia ter acesso ao sentido dos votos quando da conclusão do julgamento, e ao teor do acórdão quando da publicação. A inclusão em pauta para julgamento virtual significava um tormento para os que litigam perante a Corte, que sofriam com a falta de informações e viam o seu processo encarado como de menor relevância, tanto que gabinetes indeferiam pedidos de audiência ao único fundamento de que o processo teria sido submetido pelo relator a essa sistemática.

Em agosto de 2019, veio, então, uma mudança significativa: foi disponibilizada uma plataforma, no sítio do STF, permitindo o acesso, em tempo real, ao andamento do julgamento virtual[11]. Com isso, portanto, o público externo passou a acompanhar, antes da conclusão do julgamento, em que sentido os ministros estão votando (“acompanho o Relator”; “acompanho o Relator com ressalva de entendimento”; “divirjo do Relator”; ou “acompanho a divergência”). Por óbvio, essa divulgação já foi considerada um grande avanço, por conferir maior transparência aos julgamentos virtuais e, assim, guiar a atuação de advogados, procuradores e defensores durante a assentada.

Nesse contexto é que veio a pandemia do novo coronavírus, e o julgamento por meio eletrônico (aqui em sentido amplo[12]), que já era uma forte tendência no Supremo Tribunal Federal, se tornou a regra.

A primeira medida tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesse sentido foi a edição da Emenda Regimental nº 53, de 18 de março de 2020[13], que permitiu a submissão a julgamentos em listas, em ambiente presencial ou eletrônico, de todos os processos de competência do Tribunal, a critério do relator ou do vistor, agora com a concordância do relator[14]. Ainda estabelece esse diploma que serão julgados preferencialmente em ambiente eletrônico os processos das classes acima mencionadas (que já constavam da Emenda Regimental nº 52/2019), sendo facultado o encaminhamento, quando cabível, de sustentação oral por meio eletrônico, após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual (o que culminou na supressão do destaque em razão do cabimento da sustentação). Também se passou a permitir a convocação de sessão virtual extraordinária, em caso de excepcional urgência, pelos Presidentes do Plenário e das Turmas.

Em maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal, visando a “dar maior transparência e publicidade ao procedimento e permitir que advogados, procuradores e defensores possam atuar nas sessões realizadas por meio eletrônico de forma semelhante à que fariam nas sessões presenciais”[15], adotou as seguintes medidas: (i) divulgação da íntegra do relatório e dos votos inseridos no ambiente virtual, para acesso durante o julgamento; (ii) liberação do envio do arquivo de sustentação oral por meio do peticionamento eletrônico, com a sua disponibilização automática no sistema de votação dos ministros e no sítio eletrônico do STF; e (iii) autorização da realização de esclarecimentos sobre matéria de fato, por meio do peticionamento eletrônico, automaticamente disponibilizados no sistema de votação dos ministros. Em seguida, foi editada resolução prevendo a inserção, pelo relator, de ementa, relatório e voto no sistema, quando do início do julgamento, bem como alterando o prazo para manifestação dos ministros para seis dias úteis[16].

E, em julho de 2020, conferiu-se maior efetividade à sistemática da repercussão geral[17] e alterou-se a tão criticada presunção de voto acompanhando o relator do ministro que não se manifestasse no prazo fixado para o julgamento, passando-se a registrar apenas a sua não participação na ata[18].

Ora, com a adoção desses novos mecanismos no STF, o julgamento em ambiente virtual começa a ser visto com bons olhos pela comunidade jurídica.

É que, nas atuais balizas, o julgamento em ambiente virtual, além de contribuir para a duração razoável do processo e a eficiência na prestação jurisdicional (art. 5º, LXXVIII, e 37, caput, da CF) – auxiliando na redução do acervo dos processos do Supremo Tribunal Federal, alcançando-se o menor número nos últimos 25 anos[19][20] –, tem primado pela transparência e publicidade e permitido a efetiva atuação por parte de advogados, procuradores e defensores. Sem contar que os processos incluídos no virtual não mais têm sido encarados como de menor relevância.

Logicamente, há processos que, por suas peculiaridades e por sua própria natureza, demandam debate em ambiente presencial. Mas justamente em razão disso é que, de acordo com a legislação vigente, o pedido de destaque por qualquer um dos ministros ou, ainda, o deferimento, pelo relator, do pedido de destaque da parte acarreta a imediata retirada do processo do ambiente virtual – com o reinício do seu julgamento de forma presencial.

O novo sistema de julgamento virtual vem, portanto, em momento oportuno, merecendo, como toda inovação, certos aprimoramentos. A limitação do número de feitos por sessão de julgamento virtual é, por exemplo, uma sugestão que há de ser considerada[21]. É que, sem essa limitação, o número de processos incluídos em determinada sessão virtual pode, eventualmente, inviabilizar a sua apreciação ou, até mesmo, afetar a qualidade dos julgamentos.

De todo modo, a atual moldura do julgamento virtual no âmbito do STF deveria inspirar outros tribunais, que adotam procedimentos que acabam por ofender a transparência e a publicidade e não permitir o efetivo exercício do múnus por parte de advogados, procuradores e defensores. Isso teria o condão de reduzir a desconfiança por parte da comunidade jurídica e, consequentemente, reforçar a ampla adoção desse mecanismo, que, quando adequadamente utilizado, se revela uma alternativa positiva para uma prestação jurisdicional célere e efetiva.


O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:

[1] Esse diploma, assim como a Lei nº 11.280/2006, alterou a redação do art. 154 do CPC/73, que autorizava a realização de atos por meio eletrônico. E o CPC/2015 traz uma Seção para disciplinar a prática eletrônica dos atos processuais (Livro IV, Título I, Capítulo I, Seção II, arts. 193 a 199).

[2] Emenda regimental que alterou a redação dos arts. 323 e 324 do RISTF. A propósito, emendas regimentais posteriores (31/2009, 41/2010, 42/2010, 47/2012 e 54/2020) também modificaram a sistemática do julgamento do Plenário Virtual. Na Emenda Regimental nº 42/2010, por exemplo, permitiu-se o julgamento de mérito de questões com repercussão geral, nos casos de reafirmação de jurisprudência dominante do STF, por meio eletrônico.

[3] o voto do ministro relator ou do ministro presidente é submetido, por meio eletrônico, aos demais ministros, que têm vinte dias para votar a respeito.

[4] tanto que a esse procedimento eram aplicáveis as regras regimentais pertinentes aos julgamentos eletrônicos da repercussão geral (art. 7º da Resolução STF nº 587/2016).

[5] muito embora o CPC de 2015 tenha, em seu art. 945, disciplinado as balizas do julgamento virtual, houve a revogação desse dispositivo antes mesmo da sua entrada em vigor (Lei nº 13.256/2016), abrindo espaço para que cada tribunal tratasse da matéria em seus regimentos internos.

[6] Emenda Regimental nº 51, de 22 de junho de 2016, que incluiu o § 5º ao art. 317 e o § 3º do art. 337, ambos do RISTF.

[7] Resolução STF nº 587/2016.

[8] Com a Resolução STF nº 611/2018, esse prazo passou a ser prorrogado para o primeiro dia útil quando terminasse em dia sem expediente.

[9] Emenda Regimental nº 52, de 14 de junho de 2019.

[10] Resolução STF nº 642, de 14 de junho de 2019.

[11] In: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441257>, acesso em 08/01/2021.

[12] É que, além dos julgamentos em ambiente virtual, em 26/03/2020, foi aprovada a realização das sessões de julgamento presencial do Plenário e das Turmas por videoconferência.

[13] Nesse sentido também é a Resolução 669, de 19 de março de 2020, que alterou a Resolução nº 642/2019, adequando-a às novas normas regimentais.

[14] Nova redação dada ao Art. 21-B do RISTF.

[15] In:<http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442915&ori=1>, acesso em 08/01/2021.

[16] Resolução nº 684/2020.

[17] Emenda Regimental nº 54/2020.

[18] Resolução nº 690/2020.

[19] Apenas no ano de 2020, houve uma redução de 19% do acervo de processos do STF. In: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=457782&caixaBusca=N>, acesso em 08/01/2021.

[20] A propósito, de acordo com matéria publicada no veículo Consultor Jurídico (Conjur), em 2020, o STF teria julgado quase quatro vezes mais méritos em repercussão geral em relação ao ano anterior. In: <https://www.conjur.com.br/2021-jan-12/ampliacao-plenario-virtual-gerou-explosao-repercussoes-gerais>, acesso em 13/01/2021.

[21] In: <https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/12/30/plenario-virtual-incomoda-ministros-no-stf.ghtml>, acesso em 13/01/2020.

GABRIELA DOURADO – Sócia da Advocacia Velloso.